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Alfredo Durão Matos Ferreira nasce em Lisboa em 1928 na freguesia de Santa Isabel. Filho de pai médico e mãe pintora, discípula de Columbano e de Carlos Reis, parte da sua família tem origem em Torres Novas e outra em Trás-os-Montes, na aldeia de Urros, concelho de Moncorvo. Aqui passa as férias de infância. Depois de uma breve passagem pelo Funchal, a família fixa residência em Lisboa, onde frequenta a escola primária e completa os estudos secundários no Liceu Pedro Nunes.

Em 1948 Alfredo Matos Ferreira fixa-se no Porto, cidade natal de seu pai, onde se matricula na então Escola de Belas Artes (EBAP) contrariando o desejo do irmão mais velho em seguir engenharia. Aí conhece Álvaro Siza com quem faz alguns trabalhos académicos (Laboratório Farmacêutico para Lisboa, 1954; Colónia de Férias, 1955), e com quem desenha mais tarde a Casa na Parede, em 1962, não construída. Durante cerca de duas décadas partilham o mesmo escritório ainda que trabalhando em projectos distintos.

Na turma deste primeiro ano na EBAP, para lá de Siza, Matos Ferreira destaca mais quatro alunos: António Meneres, Joaquim Sampaio, Luís Botelho Dias e Alberto Neves. Os seis começam a vida profissional juntos. Esta vivência acaba por se reflectir na valorização que faz do trabalho em equipa, tendo reservas quanto à ideia de “autoria”, principalmente em projectos para edifícios de grandes dimensões e complexidade programática. Para este arquitecto “os projectos têm sempre muitas entradas”, integrando naturalmente os contributos das diversas especialidades que enformam o desenho de arquitectura.

Como professores nas Belas Artes, recorda principalmente o mestre Carlos Ramos. Mas também Mário Bonito e Fernando Távora – com quem trabalhará designadamente na produção de planos urbanos, um dos aspectos da sua obra (plano geral de urbanização de Guimarães) –, Carlos Loureiro e, ainda, os irmãos António e Júlio de Brito. Nunca chegará a concluir o CODA (Concurso para Obtenção do Diploma de Arquitecto); o arquitecto Jorge Gigante assina-lhe então os termos e responsabilidade, tirando partido do facto de também ser agente técnico de engenharia civil e, simultaneamente, autor dos projectos de estabilidade. Apesar disso, pondera a dada altura a hipótese de tornar o estudo de caracterização do núcleo urbano e envolvente agrícola para Urros, que elabora em 1961, no projecto de final de curso. Diploma-se apenas em 1973, através de uma avaliação curricular, aproveitando uma alteração legislativa que admite a apresentação de projectos construídos.

Entretanto, trabalha com outros arquitectos, caso de Arménio Losa e Beatriz Madureira, realizando projectos como o edifício sede das Caixas de Previdência do Distrito do Porto na Rua António Patrício (1973) desenhado sobre uma estrutura pré-existente. Sobre o edifício escrevem Nuno Portas e Manuel Mendes: “O tratamento dos ângulos e o sistema de brise-soleil, lâminas verticais e móveis de aço, sublinham uma arquitectura reduzida ao essencial e formalmente refinada, objecto de atenção constante na produção depurada mas rigorosa de Matos Ferreira” (Portugal, Architecture 1965-1990, Paris : Editions du Moniteur, 1992). Desta forma, destacam o seu papel no aperfeiçoamento de uma arquitectura formalmente austera, ou como explica melhor o próprio Matos Ferreira, que procura a “simplicidade na articulação dos espaços e a simplicidade na construção”, adequando-se quer às circunstâncias do lugar quer à função a que deve responder. É ainda dentro deste raciocínio que vai traçando os seus diversos “interlocutores” ou influências: Marcel Breuer, nas casas de Barca d’Alva; Josep Antoni Coderch, no edifício residencial da Rua Marques da Silva (Porto, 1958); Mies van der Rohe, na garagem e estação de serviço da Rua Visconde de Setúbal (Porto, 1961); e, mais genericamente, Alvar Aalto, dada a inacessibilidade geográfica da obra de Frank Lloyd Wright, “a grande referência”. É ainda o que o leva a afirmar que “nunca andou atrás de Le Corbusier nem de Oscar Niemeyer”, assinalando assim o timbre da geração que, marcada pelo inquérito à arquitectura regional (Arquitectura Popular em Portugal, 1955-1961), rejeita uma abordagem moderna de perfil mais heróico.

Mas é um dos seus projectos iniciais, que arranca quando é ainda estudante e ao qual regressa ciclicamente, que clarifica melhor o enquadramento “ecléctico” da sua arquitectura, procurando uma síntese das diferentes correntes que atravessam a época. Trata-se de uma pequena residência na Quinta do Joanamigo (Barca d’Alva, 1950). À época da sua construção por pedreiros locais, a casa destina-se ao caseiro da propriedade, pertença da família. Será reorganizada e ampliada em 1962. Sergio Fernandez, em Percurso, Arquitectura Portuguesa 1930-1974 (Porto : Edição de Autor, 1985), um dos primeiros autores a situar a carreira de Matos Ferreira no panorama português do século xx, escreve sobre este projecto, sintetizando exemplarmente o modo como interpreta um sentido de localidade: “Dominando os processos da construção tradicional local, o que o leva a empregar o xisto nos elementos resistentes, e conhecendo perfeitamente as técnicas de produção agrícola, aquelas instalações serão resolvidas com vista ao seu perfeito funcionamento, o que não impede que seja conferida uma grande expressividade ao valor plástico dos seus volumes.” Como ponto de partida, o projecto da casa privilegia os meios que estão disponíveis localmente, antecipando, no arranque da década de 1950, os valores generalizados pelo inquérito só a partir de 1961.

No edifício residencial da Rua Marques da Silva, já aqui mencionado, combina-se a exigência de contextualização urbana do projecto com uma linguagem “moderna” no sentido mais purista. Curiosamente, o edifício foi habitado por arquitectos como Manuel Teles, Rolando Torgo ou Álvaro Siza. Sergio Fernandez destaca que “a racionalidade com que se concebem os fogos não impede um jogo de aberturas extraordinariamente livre”, enfatizando novamente o aspecto plástico de uma obra que não deixa de caracterizar como de “linguagem variada e sem que se neguem as referências às novas correntes”. Todavia, salienta que é nela visível “o conhecimento da realidade portuguesa”. Uma vez mais evidencia-se a tendência “realista” da obra de Matos Ferreira. Nuno Portas e Manuel Mendes tipificam-na como um emblema geracional: “Todos os tipos de fenómenos (brutalismo, realismo, neo-empirismo à Aalto) se cruzam e se resolvem numa síntese provisória favorável à assimilação das lições de arquitectura vernacular.”

Depois de Abril de 1974, Matos Ferreira projecta com os arquitectos Beatriz Madureira e Jorge Barros, os engenheiros António Silva Costa, Jorge Soares Malta e José Diogo, os (na época) estudantes Joaquim Jordão e José Bernardo Távora e o desenhador Agostinho Ramos, a Operação SAAL Lapa no Porto. O conjunto segue uma estrutura em banda, herdeira da melhor tradição moderna europeia do entre guerras e que caracteriza as Operações SAAL realizadas na cidade. Como aconteceu com outros projectos de Matos Ferreira, foi só parcialmente construído. O arquitecto calcula que somente cerca de 50 por cento dos seus projectos terão sido executados. No projecto de habitação colectiva para a Cooperativa “Capitães de Abril” para o Fundo de Fomento da Habitação (Viana do Castelo, 1986-1987), realizado com António Madureira, Matos Ferreira propõe, como esclarece mais tarde, “uma volumetria que confronta as volumetrias pré-existentes”, corrigindo assim um dos problemas que na sua opinião prejudicaram a integração das Operações SAAL no Porto.

Acompanhando o boom de construção e requalificação de instalações para o ensino superior que surge no final do século passado, o percurso de Matos Ferreira durante a década de 1990 é igualmente marcado por uma série de projectos ligados à educação universitária e politécnica. Apesar da diversidade de propostas, talvez pelo acerto programático, esta fase do seu percurso é provavelmente a que sugere uma maior coerência formal. Ainda em 1989 desenha o Departamento de Física da Universidade de Aveiro. No ano seguinte projecta a ampliação do Departamento de Química, Informática e Electrónica e, em 1992, a ampliação dos Departamentos de Civil e Geotécnia, todos no Instituto Politécnico do Porto; também para esta cidade, em 1991, realiza o projecto para a Escola Superior de Música. 

A residência de estudantes para o Instituto Politécnico de Viana de Castelo data de 1994 e simboliza este momento mais recente da sua obra. O edifício implanta-se em “L”, configurando um pátio marcado pela fachada revestida a granito, que contrasta com o tijolo à vista que cobre o alçado voltado ao exterior. A sala de estudo, localizada no cunhal do edifício, sintetiza o apuro plástico do projecto com o seu pé-direito triplo ou a janela de canto cruzando-se com a iluminação zenital. Seguindo a prática que caracterizou o desenho dos anos de 1950, o mobiliário é especificamente executado, conferindo ao espaço uma propriedade atemporal. 

Durante a sua carreira, Matos Ferreira é também professor de projecto de arquitectura na ESBAP, para a qual é convidado em 1976 como assistente. Nas provas de agregação que defende em 1986 apresenta a dissertação “Aspectos da organização do espaço português”, onde constata a degradação progressiva do espaço urbano nas últimas décadas. Aposenta-se em 1998, na já Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Hoje, comentando os seus projectos, confirma que não é um purista em relação à intocabilidade do desenho: “O comportamento das pessoas implica naturalmente com o projecto”, o que significa que a arquitectura é alterada pelo uso. Atraído pelas possibilidades abertas pelo recurso ao computador, redesenha velhos e novos projectos no apartamento da Rua Marques da Silva, onde também continua a cultivar o seu principal hobby: o cinema.| 

 

*com Ricardo Lima


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